domingo, 7 de junho de 2009

Luana

Luana acorda assustada com o barulho de um carro que acaba de estacionar bem perto do local onde dorme. Esconde-se como pode no interior da sua caixa e não faz o mais pequeno ruído. Consegue ser quase invisível quando eles vêm, olham, revolvem as caixas e os cobertores e depois levam as raparigas mais velhas e mais bonitas.

Não faz a mínima ideia para onde as levam e muito menos os que lhes fazem, mas sabe que não é coisa boa.

Um deles passa muito perto da sua caixa. Luana treme, fica em silêncio mas o seu coração palpita, parece que lhe vai sair pela boca. 'Será que me vão descobrir? Não quero que me levem...'. Ouve os passos afastarem-se e fica mais tranquila. Ainda não foi desta vez...

Não ouve mais barulhos. Sai da caixa. Tem sede. Olha para o local onde deixou a sua garrafa de plástico, mas não a encontra. Roubaram-lhe a sua água. Pode ser que com sorte consigo hoje ainda consiga beber qualquer coisa.

Está calor, muito calor...

O barulho dos carros em cima da ponte é ensurdecedor. Tem que sair do seu abrigo e pôr-se a caminho para a cidade.

Inicia a longa caminhada. Está descalça. Tinha uns sapatos que lhe tinha dado uma senhora da cidade, mas foram-lhe roubados por alguém do abrigo.

Caminha pesadamente na berma da estrada de terra. Os carros passam muito perto de si. Há muito pó. Luana tosse. Tem sede, tem muita sede...

Chega à cidade. Pessoas de um lado para o outro, muito movimento, muita gente bonita e bem vestida. Luana só tem um vestido. Está roto e desbotado, mas não tem mais nenhum e nunca se lembra de ter vestido outro.

Vai para o seu semáforo...

Os carros passam no verde, param no vermelho, passam no verde, param no vermelho...
Verde, vermelho, verde, vermelho.
Verde espera, vermelho pede, verde espera, vermelho pede...
Espera, pede, espera, pede...
Vermelho... 'Uma moeda por favor, tenho fome'. Verde, correr para o passeio.
'Uma moeda por favor' - nem a janela se abre...
'Uma moeda por favor' - um palavrão de reposta...
'Uma moeda por favor' - este deu, mas é pouco, muito pouco...
'Uma moeda por favor'

O sol aperta, é meio dia. Luana tem sede, tem muita sede...

Vermelho... 'Uma moeda por favor, tenho sede' - 'Toma lá, bebe' - ganhou a manhã, deram-lhe uma garrafa de plástico quase cheia de água. Luana bebe. Bebe tudo. Tinha sede, tinha muita sede...

Está cansada, vai para a sombra. Tem a barriga vazia. Ainda não comeu nada. Só tem uma moeda, não dá para comprar um pão.

Deita-se no chão, exausta. Adormece...

Acorda quando um rapaz lhe mexe na mão e lhe rouba a moeda. Ficou sem nada. Maldito rapaz...

Volta ao semáforo.

Vermelho... 'Uma moeda por favor, tenho fome'. Verde, correr para o passeio.
'Uma moeda por favor' - nem a janela se abre...
'Uma moeda por favor' - um palavrão de reposta...
'Uma moeda por favor'
Nada! Ninguém dá nada...

Resolve voltar. Amanhã terá mais sorte...
Caminha de regresso ao seu abrigo, pela estrada de pó. Tem um olhar triste e cansado.
Deita-se na sua caixa e adormece ao som do ruído ensurdecedor dos carros na ponte...

Luana tem 10 anos. Vive em Luanda.

Texto de minha autoria, escrito para a Fábrica de Histórias

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