terça-feira, 19 de maio de 2009

O Mestre Quim Sapateiro

Avô

Se fosses vivo, farias hoje 93 anos. Há poucos meses, estive à conversa com a minha mãe, tua única filha, e falámos de ti, da tua vida, da tua morte, do que nos deste e das saudades que sentimos de ti. Não foi uma conversa triste, pelo contrário, relembrámos alegremente o que foste e continuas a ser para nós. Um verdadeiro herói.

Deixo aqui um breve resumo do que foi a tua vida, se bem que a tua história e as histórias que me contavas dariam para escrever um livro.

O Sr. Joaquim Antunes Varela Prates, nasceu no dia 14 de Novembro de 1915. Não teve uma infância particularmente feliz, uma vez que perdeu o pai quando tinha apenas 8 anos. O seu irmão mais velho, o Francisco, passou a ser, aos 18 anos, o homem da casa.

Foi com o Francisco (o Mestre Chico Antunes) que Joaquim aprendeu a sua profissão - Sapateiro.

Todos os irmãos (homens, entenda-se) aprenderam esta "arte" e todos trabalharam juntos durante muitos anos. Com dinheiro que conseguiram amealhar compraram 6 moradias, uma para cada um dos irmãos (quatro homens e duas mulheres). Curiosamente as moradias foram registadas em nome da mãe e só depois da morte desta, foram repartidas por todos.

O Joaquim era o irmão mais novo e foi, por isso, o último a deixar de trabalhar. E trabalhou muito. Fazia sapatos e botas (alentejanas) e percorria longos quilómetros de bicicleta ao frio e à chuva para fazer as suas entregas. Sim, porque naquele tempo as entregas eram feitas ao domicílio. Saía de casa de madrugada e só chegava já a noite ia alta. No Inverno trazia as mãos geladas com o frio e a única coisa que pedia a sua mulher é que lhe preparasse água quente para aquecer as mãos. Sempre pediu muito pouco para sim e sempre deu muito aos outros.

Na véspera da feira-franca, o Mestre Quim Sapateiro quase não se deitava, porque todas as pessoas da terra queriam os sapatos engraxados. A feira era o maior evento social do ano no Ervedal, a vila alentejana onde sempre viveu.

Trabalhou até aos 80 anos e nem mesmo quando decidiu parar mostrava sinais de cansaço.


Parece pequena a tua história da vida, avô, mas no entanto devo-te muito da minha formação como pessoa. Foste sempre para mim um modelo de trabalhador íntegro e dedicado e sempre me ajudaste a seguir em frente e a chegar até aqui.

Curiosamente estava contigo quando resolveste adoecer o que levou a que ficasses acamado durante mais de um ano.

Estava também contigo no dia da tua morte. Por pura coincidência, uma vez que vou ao Alentejo duas ou três vezes no ano e por períodos relativamente curtos.

Resolveste esperar por mim para para morrer...

Obrigado por tudo Avô. Gosto muito de ti.

Texto de minha autoria, escrito no Outras Escritas a 14 de Novembro de 2008 e agora adaptado para a Fábrica de Histórias

4 comentários:

  1. Belas linhas. Não consegui evitar uma lágrima no canto do olho.
    Apenas o meu avô materno é vivo. Já me acompanha desde pequeno.
    Homem da fazenda, ofereceu-me uma enxada (em ponto pequeno) quando tinha para aí uns 5 ou 6 anos para ensinar-me a cavar.
    Tenho de ir visitá-lo um dia destes.

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  2. (Sem comentário...)
    Menino

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