sábado, 16 de maio de 2009

O vizinho aleijado

Diogo de Mascarenhas é um jovem de trinta anos bem sucedido pessoal e profissionalmente. A ascensão meteórica que fez na empresa onde trabalha, conseguda à custa do seu trabalho e de alguns atropelos aos colegas, é vista com inveja por parte de uns e com ódio e desprezo por parte de outros. É um vencedor e é com esse espírito que encara a sua vida.

Tantos sucessos em tão tenra idade, fizeram de Diogo um homem egoísta e egocêntrico e isso fez com que os seus amigos se começassem a afastar dele. Já não conseguiam ouvir Diogo falar dos seus sucessos e julgar-se muito melhor do que eles. Tinham saudades do Diogo mais humilde e companheiro...

A este afastamento dos amigos, os verdadeiros amigos, Diogo não dava a mínima importância. "Não me merecem" - pensava - "Eu sou bastante mais interessante que eles. Se se afastam, arranjo outros".

Arranjava mesmo. Conhecia muita gente, tinha boa aparência, conduzia um bom carro, vivia num apartamento na melhor zona da cidade e, mais importante que tudo, tinha um emprego que lhe proporcionava um belíssimo ordenado ao fim do mês.

No meio de tanta agitação, a vida de Diogo começou a revelar-se oca e sem sentido. Os seus dias resumiam-se às horas que passava no trabalho e a saídas à noite com gente bonita e rica, mas fútil.

Havia, no entanto, uma paixão que nunca deixou de lado. O xadrez. Jogava xadrez desde muito pequeno. Aprendera com o seu avó e cedo lhe começou a ganhar praticamente todas as partidas. No meio social em que se movia actualmente, o Xadrez era considerado um jogo chato, que podia demorar muito tempo e que era sempre igual. Algo sem interesse que não se comparava a uma boa festa de sábado à noite em casa de uma das suas fúteis amigas.

Deixou de ir ao clube de xadrez que já o seu avô havia frequentado. Tinha vergonha de dizer aos seus amigos que jogava xadrez num clube decrépito e cheio de gente velha. Não deixou, no entanto de jogar. Usava a Internet. Não precisava de conhecer os parceiros com quem jogava e ninguém o conhecia também a ele. Mantinha desta forma o anonimato e jogava com gente de todo o planeta.

Curiosamente ao jogar xadrez Diogo sentia-se como em nenhuma das festas que tanto frequentava. Ali, em frente a um ecrã de computador a jogar com alguém que não conhecia, não sentia necessidade de afirmação pessoal nem tinha que ser melhor que ninguém. Jogava humildemente o jogo do seu avô. Gostava particularmente de um jogador português cujas tácticas de jogo eram muito semelhantes às suas. Acabavam por ter grandes conversas através do computador enquanto jogavam o seus jogos.

Quando o jogo acabava voltava a vestir a pele de jovem bem sucedido e arrogante. Andava agora particularmente chateado porque o seu novo vizinho do andar da frente, que era um aleijado de cadeira de rodas, lhe passava o tempo a pedir que fizesse menos barulho quando tinha amigos em casa. Repugnava-o aquela figura muito franzina e sem cor que lhe batia à porta nos dias de festa.
Diogo passou a contrariar esse senhor, colocando a música cada vez mais alta e fazendo cada vez mais barulho nas suas festas. As noites terminavam quase sempre com a polícia a bater-lhe à porta a avisá-lo que tinha sido apresentada queixa pelos vizinhos. Pagava as multas mas não mudava de atitude. "Aquele aleijado tem que sair daqui" - pensava.

Um dia quando saia de casa para trabalhar, Diogo verificou que o seu vizinho estava a sair ao mesmo tempo que ele. Ainda tentou voltar atrás, mas como já se tinham visto, essa seria uma atitude de fraqueza da sua parte. Saiu e chamou o elevador sem sequer olhar para o lado. Enquanto desciam, ficou por detrás da sinistra figura e sem que fosse notado começou a observar. O vizinho devia ter mais ou menos a sua idade e parecia ser uma pessoa independente, apesar da sua deficiência. Tinha algo no colo que Diogo não conseguia perceber bem o que era. Ao sair, porém, conseguiu olhar novamente e apercebeu-se que era um tabuleiro de xadrez. "Como é que este aleijado pode jogar xadrez?" - pensou com a sua atitude arrogante e discriminatória.

Nessa mesma noite após jogar uma partida no computador com o seu amigo português, Diogo conta-lhe em tom de brincadeira as suas aventuras com o seu vizinho da frente que afinal aparentemente também sabe jogar xadrez. O amigo fica em silêncio o que leva Digo a pensar que talvez tenha perdido o acesso à Internet. Passados uns minutos há uma resposta muito lacónica. Aparecem no seu monitor as seguintes palavras: "Diogo, eu sou o teu vizinho aleijado".

Ainda pensou que seria brincadeira, mas depois começou a ver que poderia muito bem ser verdade. Num acto impulsivo, saiu de casa e bateu à porta do vizinho. "Olá Diogo, eu sou o Carlos, o teu vizinho deficiente motor, a quem tu chamas aleijado e de quem tanto gostas no mundo do xadrez virtual. Não julgues as pessoas pela sua aparência e nem te consideres a melhor pessoa do mundo. No xadrez, a tua paixão, eu sou tão bom ou melhor que tu".

Diogo só conseguiu pedir desculpas e voltou a entrar em casa. Estava envergonhado. Via agora o vizinho com outros olhos. O xadrez tinha-os unido, mesmo sem ele se dar conta.

Voltaram a jogar muitas vezes no mundo virtual, mas a pouco e pouco quebraram o gelo e passaram a jogar ora em casa de um, ora em casa de outro.

Hoje em dia o Afonso, o aleijado, é um dos melhores amigos de Diogo.

Texto de minha autoria, escrito para a Fábrica de Histórias

4 comentários:

  1. Maravilhosa história com grande moral. Muitos parabéns adorei continue assim.

    Abraço.

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  2. Olá Alberto! E assim se aprende o que é a vida. Espectacular. adorei! Um bj

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  3. Obrigado aos dois pelo comentário.

    Esta é uma história que poderia ser vivida por muito "boa gente".

    Infelizmente há muitos Diogos de Mascarenhas por aí, que precisam aprender, mas não aprendem. E, notem, que muitos, não são ricos nem bem sucedidos...

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  4. a história tá porreira pá! parabéns!

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