segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Amália Rodrigues (V)

Termino a minha homenagem a Amália com o fado "Lágrima".

Amália Rodrigues/Carlos Gonçalves




Cheia de penas me deito
E com mais penas me levanto
Já me ficou no meu peito
O jeito de te querer tanto

Tenho por meu desespero
Dentro de mim o castigo
Eu digo que não te quero
E de noite sonho contigo

Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile no chão
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar

3 comentários:

  1. “uma voz que eu passei a definir como aguda, vibrante e afinada ao meu ouvido.”
    Foi assim que acabei o meu comentário sobre a Amália. Mas acham que é mesmo só isto que eu acho da voz e da forma de cantar desta mulher?
    Não, não é. Foi esta a minha primeira impressão naquele dia em que decidi prestar atenção à fadista. Depois deste dia foi um longo e prazeroso percurso de pesquisa da carreira e dos trabalhos desta grande mulher. Comecei por ouvir as gravações mais antigas por serem “agudas e afinadas”, mas acho que descobri verdadeiramente a Amália Rodrigues quando ouvi “O Busto”. O Busto saiu no início da década de 60 e foi muito polémico na altura, mas eu pessoalmente acho que o album saiu um pouco fora do seu tempo. Ou então não: saiu quando era necessário quebrar com esteriotipos do antigo fado, e como quase todas as mudanças gerou polémica. E também acho que a dupla Amália Rodrigues/Alain Oulman nunca mais arriscaram tanto como arriscaram nesse trabalho (e esta é mesmo uma opinião muito pessoal). Inclusive acompanhou-se o fado com um piano, e isto em 1962. Por outro lado os agudos da amália estavam em grande forma, de modo que esta conjunção fez com que se chamasse ao Busto de “As operas”, claro que de forma pejorativa. Hoje ainda se chama as óperas aos fados do Busto, mas o sentido pejorativo desapareceu, acho eu.
    E é aqui que entras tu, Alberto. Se ainda não ouviste o Busto tens de ouvir. São as óperas Portuguesas!

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  2. Tentando completar, ou pelo menos desmistificar um pouco mais a minha visão sobre Amália Rodrigues, e seguindo quase uma linha cronológica da sua carreira (engraçado que o meu percurso de conhecimento e gosto pela obra da diva Amália segue quase essa linha cronológica), digo-vos que depois de “O Busto” veio uma visão completamente diferente, quer da Amália, quer do próprio fado em si. Do fado que os puristas insistiam em dizer que não era fado. E aos poucos comecei a compreender que o amadurecimento da voz desta artista foi suberbo e funcionou muito bem. Outros álbuns se seguiram na minha pesquisa e pude finalmente compreender e apreciar a qualidade do canto da Amália da década de oitenta e noventa. Já concordei com as pessoas que diziam que a Amália Rodrigues não tinha sabido parar de cantar e que devia ter parado muito mais cedo. Não poderia estar mais enganado.
    Em suma, gosto de toda a carreira desta artista desde a época do "rouxinol" até as suas últimas aparições. E gosto particularmente da mulher que ela foi. Acho que certos países valorizaram mais a nossa artista do que nós portugueses. Uma artista que chegou a ser conhecida como uma das melhores vozes de todo o mundo.

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  3. "O Busto" é uma dos álbuns mais perfeitos que conheço. Tive a felicidade de ter um amigo que a dada altura o partilhou comigo. Sensação de estranheza, no início, tenho de confessar. Afinal de contas, era uma Amália como nunca se tinha ouvido. Era fado a desbravar caminho, em sonoridades e em literariedade. A poesia de "O Busto" é algo que fica muitas vezes injustamente esquecida em detrimento do arrojo vocal e dos arranjos musicais. E sim, Amália e Oulman foi uma dos "casamentos" musicais mais perfeitos de que se tem memória. Foi também, e isto é preciso ter em conta, um disco politicamente arriscado. Ainda hoje em dia me pergunto como é que um fado tão "engagé" como Abandono passou pela censura. "Por teu livre pensamento, foram-te longe encerrar" canta a artista, inocentemente segundo me consta. Parece até que ficou chateada com David Mourão-Ferreira quando mais tarde se apercebeu do risco que tinha corrido. Sim, Amália era uma mulher do povo, inteligente, sem dúvida, mas com aquela ingenuidade que sabemos vir ao de cima ocasionalmente entre quem canta porque nasceu para isso e não porque tem uma "mensagem" a comunicar.
    É, na minha opinião, o mais extraordinário legado musical alguma vez deixado por uma artista portuguesa. Nele estão concentrados uma mão-cheia de obras primas incondicionais do fado. O difícil é escolher um preferido.
    E bem haja amigos que partilham algo assim connosco. Com amigos assim, vamos desbravando caminhos, descobrindo a beleza. Ora numa canção, ora num verso, ora numa voz....

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