A cidade de Bombaim, ainda sob o choque dos ataques terroristas de quarta-feira à noite, voltou à normalidade hoje à tarde, horas depois de terminar a batalha final pelo Hotel Taj Mahal.
A meio da tarde, o trânsito começou de novo a encher as ruas do sul da cidade, ao mesmo tempo que as forças de segurança começaram a retirar mais corpos do Hotel Taj Mahal.
"Estão a chegar em muito mau estado" afirmou à Agência Lusa um dos coordenadores das agências funerárias que recebiam os corpos no JJ Hospital.
"Muitos dos corpos são das vítimas das primeiras horas do ataque, quarta-feira à noite. Já passaram três dias", comentou o mesmo agente funerário, que pediu para não ser identificado "porque a imprensa nem sequer podia estar" no local.
"Há dois dias era pior. Lá dentro, nas câmaras frigoríficas, havia muitos corpos desmembrados, mãos e braços separados sem se perceber de quem eram", afirmou no local um funcionário indiano dos serviços consulares portugueses.
A poucos metros, a porta da morgue exalava um cheiro agoniante de cada vez que alguém entrava ou saía.
Em redor do agente funerário, representantes dos consulados ou embaixadas tentavam confirmar nomes em listas de vítimas e de hóspedes dos hotéis atingidos. Algumas pessoas entravam na morgue, saindo em lágrimas, depois de identificarem algum familiar ou amigo.
No mesmo recinto, entre as paredes da morgue e das enfermarias do JJ Hospital, um grupo de judeus confirmava nomes e pedia informações.
Um deles sentou-se num alpendre da recepção e mostrou uma fotografia a um enfermeiro indiano: "Esta é a Rivka".
Trata-se de uma das vítimas dos ataques ao centro judaico de Nariman Point, a sul do Taj Mahal.
O pulsar da grande metrópole indiana começou a sentir-se a meio da tarde, à mesma hora a que a limpeza do Taj Mahal começou quarto a quarto, no rescaldo de mais de 60 horas de crise e de uma madrugada de tiroteio e explosões de granadas.
"A vida começa outra vez", comentou o funcionário do consulado português à saída do JJ Hospital, perante o rápido aumento de tráfego.
Horas depois, ao cair da noite, o sul da península de Bombaim, em redor dos alvos principais dos ataques, animava-se com um formigueiro de lojas, mercados, restaurantes. A Bombaim habitual.
Há, no entanto, marcas profundas nesta cidade com reputação de ser orgulhosa e resistente à desgraça.
"Existe uma sensação de choque e de medo e a normalidade vai voltar lentamente, depois de dois dias em que a população ficou petrificada", afirmou à Lusa um dos comandantes das operações anti-terroristas, o subcomissário Vinay Kargaonkar, que coordenou a libertação de reféns no Hotel Oberoi.
"É o nosso 11 de Setembro (de 2001 em Nova Iorque)", explicou o oficial da polícia. "Os ataques foram um grito de alerta para todos sobre a possibilidade de operações novas que não estamos à espera".
Vinay Kargaonkar adiantou que "os terroristas vieram para morrer, altamente empenhados em causar um máximo de vítimas".
Duas bombas de grande potência, uma delas colocada num canteiro na rua das traseiras do Hotel Taj Mahal, não chegaram a explodir, disse ainda o oficial indiano. "Foi por sorte que o número de vítimas não foi ainda mais alto".
Quase duzentas pessoas perderam a vida nos ataques, incluindo cidadãos israelitas, franceses e americanos. Nenhum português foi atingido. "Não há feridos e não há mortos", resumiu o embaixador português em Nova Deli, Luís Filipe de Castro Mendes, que desde quinta-feira se encontra em Bombaim.
"A partir de agora Bombaim tem medo", resumiu à Lusa uma assistente social, Gita Balakrishna, que prestava ajuda a familiares das vítimas num quiosque improvisado na marginal junto do Hotel Oberoi.
"Mas somos todos como o Hotel Taj Mahal. Continua de pé mesmo depois de três dias de incêndio", concluiu esta assistente, orgulhosa da "vitalidade" de Bombaim.
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