Joan Sutherland nasceu em Sydney na Austrália, a 7 de Novembro de 1926. Como a maioria dos grandes cantores, Sutherland teve desde cedo contacto com a música. A sua mãe era mezzo-soprano e mesmo em criança a pequena Joan escutava com atenção a sua.
As primeiras aulas de canto foram, assim, orientadas pela mãe e, talvez por esse facto, Joan Sutherland começou a estudar no registo de mezzo-soprano.
Aos 18 anos inicia aulas de canto com Aida e John Dickens que concluem imediatamente que a sua voz não é de mezzo-soprano, mas sim de soprano, isto é, com um registo mais agudo. Conta-se que Sutherland ficou surpreendida com esta conclusão dos seus professores, uma vez que sempre tinha estudado com a mãe num registo de mezzo-soprano, menos agudo, portanto.
Em 1948, Joan Sutherland conhece um jovem pianista, Richard Bonynge que passou a acompanhá-la em alguns recitais na Austrália e que se viria a tornar-se uma das pessoas mais importantes da sua carreia e da sua vida (casariam uns anos mais tarde). Bonynge era de opinião que a voz de Sutherland poderia ser trabalhada num registo ainda mais agudo do que aquele em que estava a trabalhar. Joan tinha uma voz gigantesca em termos de potência e pensou na altura que seria um soprano dramático . Um soprano dramático tem uma voz com uma grande potência, mas com pouca agilidade (dificuldade em executar passagens muito rápidas ou notas muito agudas). Este tipo de voz é ideal para as óperas de Wagner.
Depois de uma breve carreira como "dactilógrafa" e de ter ganho alguns concursos de voz, nomeadamente em 1949 o "Sydney Sun Aria" e em 1950 o "Mobil Quest", Joan Sutherland parte para Londres para pôr em prática o seu grande sonho, tornar-se cantora residente da Royal Opera House, um dos maiores teatros de ópera da altura (e da actualidade).
Em Londres volta a encontrar Richard Bonynge com quem casa em 1954. Joan tem como professor de canto Clive Carey e Richard Bonynge estuda composição e regência.
Mais uma vez nos seus estudos em Londres, Sutherland desenvolveu a sua voz como soprano dramático, embora Bonynge estivesse convencido que a sua voz detinha uma agilidade especial e capacidade para ser trabalhada num registo mais agudo.
Depois de uma audição na Royal Opera House (Covent Garden), é-lhe oferecido um contrato de dois anos nesta casa de ópera. Joan estreia-se na ópera "A Flauta Mágica de Mozart" em 1952. Ainda nesse ano estreia-se como Clotilde (personagem secundária) na ópera "Norma" de Bellini, ao lado de Maria Callas. Foi esta a única ocasião em que as duas Divas cantaram juntas.
Com a ajuda e entusiasmo de Richard Bonynge, estreia-se também em 1952 no papel principal de Amélia na ópera de Verdi "Um Baile de Máscaras".
Por esta altura, e embora com várias apresentações em diferentes papeis na Royal Opera House, Richard Bonynge convence Sutherland de que a sua voz é ideal para interpretação de repertório de Bel canto, isto é, Sutherland possuía um tipo de voz raro. Era um soprano dramático de coloratura, uma voz de soprano com uma potência considerável, mas também com muita agilidade e com capacidade de atingir notas extremamente agudas.
A 17 de Fevereiro de 1959 dá-se uma viragem na então curta carreira de Sutherland. Deu-se nesse dia a estreia da ópera "Lucia de Lammermoor" de Donizetti na Royal Opera House. Sutherland assumiu o papel principal de Lucia, dirigida pelo maestro Tulio Serafin. Da ópera faz parte uma ária de loucura, característica de muitas óperas de Bel canto, em que a personagem, como o próprio nome indica, enlouquece. Estas árias são de extrema dificuldade de execução, quer a nível vocal, que a nível cénico. Sutherland foi um sucesso estrondoso. Como se costuma dizer "a casa vaio abaixo com aplausos".
A partir daqui a carreira de Sutherland foi catapultada e as estreias nos mais famosos teatros de ópera do mundo (Milão, Veneza, Paris, Nova Iorque, etc) foram enormes sucessos. Sutherland passa a ser dirigida por Bonynge em praticamente todas as suas actuações e depois de uma récita ocorrida no Teatro La Fenice de Veneza, Sutherland passa a ser chamada de La Stupenda.
Devido às capacidades da sua voz, Sutherland e Bonynge recuperaram muitas operas do repertório de Bel canto (compositores dos séc. XVIII e XIX), trabalho já iniciado por Maria Callas durante a sua carreira, óperas estas que estavam afastadas dos palco há longos anos.
Sempre com muito cuidado na escolha dos seus trabalhos, Sutherland conseguiu que a sua voz se mantivesse praticamente intacta durante décadas. Trabalhou com os melhores cantores da sua época e deixou um legado importantíssimo em gravações de áudio e vídeo.
Destacam-se as suas interpretações de:
Lucia - Lucia de Lammermoor (Donizetti)
Norma - Norma (Bellini)
Elvira - I Puritani (Bellini)
Maria - Maria Stuarda (Donizetti)
Amina - La Sonnambula (Bellini)
Marie - La Fille du Regiment (Donizetti)
Semiramide - Semiramide (Rossini)
Lucrezia - Lucrezia Borgia (Donizetti)
Anna - Anna Bolena (Donizetti)
Violetta - La Traviata (Verdi)
Gilda - Rigoletto (Verdi)
Elvira - Il Trovatore (Verdi)
Terminou a sua carreira no dia de Ano Novo em 1990 (aos 63 anos) na Royal Opera House, ao Lado de Luciano Pavarotti e de Marylin Horne com quem tinha trabalhado inúmeras vezes.
Ao longo da sua vida recebeu várias condecorações sendo a mais importante a de "Comandante do Império Britânico" concedida pela Rainha Isabel II em 1961. Passou a designar-se a partir desta data Dame Joan Sutherland.
Continua ainda hoje a sua actividade no meio musical como júri de alguns concursos de canto.
Joan Sutherland é para muitos a "Voz do século XX"
A Decca lançou em Novembro de 2006 esta colectânea de árias, duetos e canções interpretadas por Joan Sutherland, para comemorar o seu octogésimo aniversário e a sua ligação a esta editora ao longo de mais de trinta anos.
O duplo CD cobre uma parte importante da longa carreira de Sutherland e inclui gravações de estúdio ocorridas entre 1960 e 1988.
Além dos CD's, a obra inclui cerca de 100 páginas de informação sobre a vida e a carreira de Sutherland e apresenta uma lista de todas as óperas e recitais gravados pela cantora com o selo Decca.
Por cobrir praticamente toda a carreira de Sutherland, é possível acompanhar as alterações de voz que se foram verificando ao longo do tempo.
Sutherland foi sempre muito inteligente na escolha do seu repertório, deixando algumas interpretações para o final da sua carreira, o que não acontece com muitos cantores da actualidade (que muitas vezes vêem as suas carreiras destruídas precocemente) . São exemplos disso, as óperas Lucrécia Borgia (Donizetti), cuja ária " Era desso il figlio mio" faz parte desta colectânea, e Anna Bolena (Donizetti). A sua técnica incomparável, permitiu-lhe executar os papeis mais difíceis até ao final da carreira.
Os duetos são todos interpretados com Luciano Pavarotti com quem Sutherland gravou inúmeras óperas com o selo da Decca. Aliás, foi Sutherland quem lançou Pavarotti nos mais importantes palcos operáticos do mundo.
O repertório escolhido pela Decca demonstra bem as capacidades vocais de Sutherland. Salientam-se obras dos seguintes compositores (por ordem das obras apresentadas nos CD's)
Gounod
Verdi
Delibes
Bizet
Donizetti
Bellini
Offenbach
Heuberger
J. Strauss
Massenet
Rossini
Lehár
Noel Coward
Puccini
Sutherland é dirigida por Molinari-Pradelli, John Pritchard e, obviamente, Richard Bonynge.
De salientar a presença de uma ária que nunca tinha sido incluída em nenhum dos lançamentos anteriores da Decca: "Ancor non guinse...Perchè non ho del vento...Toma, toma, o caro oggeto" da ópera Rosmonda D'Inghilterra de Donizetti.
A Deutsche Grammophon lançou em Novembro de 2005 este DVD gravado numa récita da ópera Lucia de Lammermoor ocorrida na Metrpolitan Opera House (Nova Iorque) em 1982.
Lucia de Lammermoor é uma ópera trágica em três actos com música de Gaetano Donizetti e libretto de Salvatore Cammarano, baseada no romance histórico "The Bride of Lammermoor" de Sir Walter Scott. A estreia ocorreu no ano de 1835 no Teatro San Carlo em Nápoles.
A acção decorre na Escócia em 1669 e relata a tragédia que ocorre quando Lucia e Edgardo, pertencentes a famílias que há muito se odeiam, se apaixonam um pelo outro. Enrico, irmão de Lucia, descobre o romance entre os dois e rapidamente se apressa a encontrar um pretendente para a sua irmã.
Lucia vive entusiasmada com o seu amor por Edgardo, mas atormentada por um suposto fantasma de uma mulher assassinada na fonte dos jardins do castelo onde vive (aria "Regnava nel Silenzio").
Num dos seu encontros amorosos, Edgardo diz a Lucia que tem que partir para França para combater, mas que quando voltar proporá tréguas entre as famílias e pedirá a mão de Lucia.
Passa-se algum tempo. Arturo consegue interceptar uma carta de Edgardo para Lucia e com base nela, falsifica uma nova carta que supostamente Edgardo teria escrito para outra mulher. Convencida de que Edgardo a trai, Lucia aceita a proposta do irmão para casar com Arturo.
Na festa de noivado entre Lucia e Arturo, a pobre Lucia assina o contrato de casamento. Momentos depois entra Edgardo que a acusa de traição (famoso sexteto "Chi mi frena").
A tragédia começa quando Lucia na noite de núpcias assassina o seu marido Arturo. Quando os convidados ainda se encontram a festejar o casamento, Lucia aparece perante eles com as vestes ensanguentadas e num estado delirante. Inicia-se, assim, a famosa cena da loucura. Lucia imagina que está a casar com Edgardo, faz movimentos completamente despropositados (ária "Il dolce suono me colpi"). Chega o seu irmão Enrico, que ao ver Lucia num estado demente é tolhido por um enorme sentimento de remorso. Lucia canta "Spargi d'amaro pianto" onde promete que rezará por Edgardo no céu e lá esperará por ele. Desfalece depois, perante o horror de todos.
Edgardo, por seu lado, prepara o seu suicídio. Sem Lucia não valerá a pena viver. Alguém passa e lhe comunica o que se passou. Comunica-lhe também que Lucia acabara de falecer. Sabendo que Lucia nunca o havia traído e que morreu por ele, Edagardo consuma o suicídio.
Lucia de Lammermoor é das óperas de Donizetti mais apresentadas nos palcos actualmente. A sua recuperação deve-se em muito a Maria Callas que voltou a interpretá-la no início da década de 1950 e depois a Joan Sutherland a partir de 1959. Lucia de Lammermoor foi mesmo a ópera que lançou Joan Sutherland para o estrelato no mundo operático depois de uma famosa récita ocorrida na Royal Opera House de Londres em Fevereiro de 1959. Conta-se que Maria Callas assistiu a uma das récitas e que comentou que nunca conseguiria interpretar a cena de loucura como Joan Sutherland (isto depois de Sutherland se atirar literalmente de uma escada abaixo no final da cena).
Sutherland viria a encarnar Lucia de Lammermoor inúmeras vezes durante a sua carreira. Interpretou Lucia pela última vez em 1988 no Garn Teatre del Liceu de Barcelona em 1988, isto é, 29 anos depois da estreia de Londres.
Não existem infelizmente em vídeo, gravações das primeiras Lucias de Sutherland.
O DVD que apresentamos foi realizado em 1982 quando Sutherland tinha já 55 anos de idade. No entanto, a interpretação pode ser considerada de altíssimo nível e a cena de loucura interpretada magistralmente. Os aplausos no final da cena são prova disto mesmo.
Acompanha Sutherland um grande tenor de nome Alfredo Kraus (Edgardo) que, curiosamente, também a acompanhou na última récita em Barcelona.
Assim, o elenco é:
Joan Sutherland
Alfredo Kraus
Pablo Elvira
Paul Plishka
Orquestra e coro da Metropolitan Opera House dirigidos por Richard Bonynge.
Existe para além desta, uma outra gravação da Lucia de Lammermoor com a Sutherland ocorrida na Austrália em 1986. A interpretação de Sutherland está ao mesmo nível, mas o resto do elenco é de qualidade um pouco inferior.
Actualmente a ópera Lucia de Lammermoor continua a ser regularmente apresentada nos teatros de ópera e com intérpretes de grande qualidade. Saliento as interpretações de Edita Gruberova, Mariella Devia, June Anderson e Natalie Dessay.
Publicado no Ao Lado da Música a 15/01/2008
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