quinta-feira, 25 de março de 2010

Quinta, lugares cruzados I (Porto)


O desafio desta primeira Quinta, lugares cruzados, leva-me a falar da cidade do Porto. Esse Porto, cidade no masculino, tão amada por uns e tão mal amada por outros. Cidade provinciana, no sentido mais saudável do termo, cidade de gentes bairristas e orgulhosas do seu património. Cidade de casario encosta acima, desde a Ribeira até à Baixa. Cidade Invicta, mui nobre e sempre leal...

Vivi no Porto durante seis anos, mas o Porto nunca foi a minha cidade e nunca ali me senti em casa. É por isso que escrever este post é para mim um desafio doloroso...

Cheguei pela primeira vez ao Porto num dia de Outono do ano de 1987. Tinha acabado de completar dezoito anos e era, para os devidos efeitos, um menino alentejano que acabara de atingir a maioridade. Cheguei para ficar, tinha acabado de entrar no ensino superior e o Porto até tinha sido a primeira escolha. Estava contente porque ia começar uma nova etapa e enfrentar um novo desafio. Sonhava sair da pequena vila do Alentejo e viver numa cidade grande, fazer novos amigos e ter novas actividades. Aos dezoito anos sonhamos em cortar o cordão umbilical com a família e partir sozinhos à aventura e o Porto ia dar-me essa oportunidade.

O primeiro impacto foi muito positivo. Naquela idade não é difícil deslumbrarmo-nos com a perspectiva de mudança, e passar a viver numa cidade é uma excelente forma de comemorar a maioridade. Lembro-me como se fosse hoje da minha primeira praxe académica. Aconteceu precisamente no dia em que cheguei quando, muito ingenuamente respondi afirmativamente à pergunta de um colega: És do primeiro ano? Fui imediatamente baptizado com farinha, água, vinagre e batom... Uma autentica festa!

Ver partir os pais no dia seguinte não se revelou tão fácil como eu pensava, mas a perspectiva de mudança fez suplantar a dor da despedida.
Fiquei hospedado em casa de uns tios do meu pai por quem sempre tinha nutrido alguma simpatia, uma vez que eram visita regular da minha casa no Alentejo. A quinta onde viviam e que passou naquele momento a ser a "minha casa", ficava fora do centro da cidade e estava rodeada de outras quintas. Não gostei! A casa era velha, não estava nada bem cuidada e os terrenos da quinta pareciam abandonados. Não senti conforto, mas pensei que com o tempo me habituaria a viver ali. Estava enganado! Nunca me habituei e aquela acabou por não ser nunca a "minha casa".

O início das aulas veio uns dias depois e com ele começou uma nova rotina. Fui muito bem recebido no Instituto Superior de Engenharia do Porto e curiosamente, conheci logo nos primeiros dias de aulas alguns dos que são hoje os meus melhores amigos. A Reflexos, com a sua "memória de elefante", contou isso muito bem neste post do seu blogue Desvios.
Estava deslumbrado... gostava das aulas, dos colegas, do Instituto e da cidade. Dizia nesses primeiros tempos que o Porto era muito mais bonito a agradável que Lisboa, cidade que até então era a minha preferida.

O único senão no meio de todo este deslumbramento era ter que voltar para casa. Aquela que devia ser a "minha casa", mas que teimava em mostrar-se estranha e pouco acolhedora. Os meus tios começaram a revelar-se pessoas extremamente autoritárias, moralistas e controladoras. Fui obrigado logo nos primeiros dias de aulas a entregar-lhes o horário escolar e foi-me imediatamente imposto regressar todos os dias a casa assim que as aulas terminassem. Senti que não tinham qualquer confiança em mim, coisa a que eu não estava habituado enquanto tinha vivido com os meus pais.
Havia, no entanto, uma pessoa naquela casa que me compreendia e apoiava, a Maria. A Maria é a única pessoa que vou nomear neste texto, por merecer a minha homenagem e a minha gratidão. Desde nova que foi viver para casa dos meus tios para trabalhar como empregada doméstica. Naquela época e para todos os efeitos, era a Maria a dona da casa. Era ela quem dirigia e comandava tudo o que por ali se fazia, trabalhando que nem uma moura para manter tudo dentro da ordem possível. Por conhecer os donos da casa melhor que ninguém, a Maria era a única pessoa que sabia o que eu estava a passar.

Chegaram as primeiras férias de Natal e com elas a primeira visita aos meus pais no Alentejo. Nessa altura ainda pensava que o que se passava na quinta do Porto seria temporário e que à medida que o tempo fosse passando, se criasse entre os meus tios e eu uma relação de amizade e confiança mútua que os levasse a ser menos autoritários e a deixar-me viver mais intensamente aqueles que são para muita gente, os melhores anos de juventude. Depois das férias regressei com um expectativa positiva, mas infelizmente nada mudou...

O primeiro ataque de choro surge no final das primeiras férias de verão. Aconteceu quando o comboio partiu em direcção ao Porto e fiquei a ver da janela, cada vez mais distantes, os meus pais e irmã... Desde essa vez, nunca mais ficaram na plataforma da estação para me verem partir.

Seguiram-se mais cinco anos assim, entre a alegria de estar com os amigos e a tristeza de ter que lhes dizer que não podia ir ao cinema ou às festas da Queima da Fitas porque não me deixavam sair à noite.

E o Porto? Onde estava?
Era-me praticamente indiferente.

Com a conclusão do curso deixei o Porto. Parti para longe, para bem longe...
Hoje esqueci-me involuntariamente de muitos dos pormenores da cidade. Não me lembro do nome das ruas e não identifico algumas zonas que me deviam ser familiares. Deve ser fácil para algum psicólogo explicar este facto. Eu confesso não saber explicar...

Tenho vindo, no entanto, a redescobrir o Porto. Recentemente, percorri todos os caminhos que usava e o sentimento alterou-se. Estou a achar o Porto muito mais interessante, com coisas novas, menos escuro e bem mais agradável.
Ainda tenho esperança de um dia conhecer aquele Porto que tanta gente ama, mas, por enquanto continua a não ser uma das minhas cidades de eleição...

Dedico este texto à Maria, à Reflexos e a todos os outros amigos que o Porto me deu.

Obrigado Porto... e desculpa qualquer coisinha...

E você Reflexos, o seu Porto é igual ao meu?

5 comentários:

  1. Pois, só com muita vontade e muito querer se aguentam certas coisas ao longo da vida. O Porto é a referencia só para a quinta, que estivesse ela em outro lugar, seria esse lugar o afectado...
    beijinhos e obrigada

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  2. Estou sem palavras ;-)
    Parabéns aos dois
    Becas

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  3. Belo post, sim senhor.

    É bem verdade que o Porto (centro histórico) está "menos escuro", quer à letra quer metaforicamente. Confesso que detestava a cidade quando era estudante, cidade feia, pedregulhosa, cinzenta, chuvosa, fria, sebenta, pesadamente barroca e poluída...gostava bem de ser estudante agora, com tanta luz e côr, animação, nova arquitectura e áreas recuperadas. Serralves e Casa da Música, claro, mas também Clérigos, Leões / Carlos Alberto, galerias, marginais de ambos os lados, parques e jardins.

    Houvesse cinemas na baixa e seria quase perfeita.

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  4. Outra perspectiva da cidade do Porto, que não chega a ser, é a descrição, no fundo "sofrida", do tempo que teve que viver lá.
    São as suas memórias...
    Destas gostei da descrição!
    Abracinho

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  5. Obrigado a todos pelas vossas palavras de apoio...

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