terça-feira, 6 de abril de 2010

Terça, Flashback II (Os ciganos)

Depois dos acontecimentos na África do Sul, parece-me muito actual este post que escrevi no Outras Escritas em Julho de 2008.

Chamei ao post "Os ciganos".

Aqui fica o texto:

Ao ler notícias como esta e esta, lembro-me dos meus tempos de criança e do relacionamento que tive com indivíduos de etnia cigana. Passo a explicar. Nasci e cresci numa pequena aldeia perdida no interior alentejano. Os ciganos foram sempre uma presença constante na aldeia e cedo me habituei a conviver com eles. Admirava a sua liberdade e o facto de serem nómadas. Montavam as tendas nos campos próximos da aldeia, ficavam alguns meses e depois partiam. Mas voltavam sempre! Naquele tempo, e não foi há muito tempo, as crianças podiam andar na rua à vontade. Havia menos carros, toda a gente conhecia toda a gente e todos estávamos em segurança. Depois da escola era-nos permitido estar fora de casa até que a iluminação pública se ligasse. As mães eram responsáveis por impor esta regra. Eu não saia todos os dias, era um pouco "caseiro". Quando o fazia, adorava as brincadeiras da "rapaziada" que se estendiam toda a aldeia. Claro que, havendo acampamento de ciganos, sempre nos encaminhávamos para lá. Achávamos curiosa aquela forma tão diferente de estar na vida. As nossas casas tinham paredes e eram abrigadas. As deles eram tendas sem qualquer conforto. Pensávamos nós... Lembro-me sempre de o meu pai dizer que não era bem assim. Que tinha pena dos ciganos nas noites frias ou chuvosas de Inverno, mas que os invejava nas noites quentes do Verão. Quando eu estava na segunda classe, ainda se chamavam classes, juntou-se à minha turma o Fernando. O Fernando era cigano e é claro que passou a ser conhecido por Fernando Cigano. Hoje em dia tal seria considerado racista. Naquele tempo não. Pelo menos nós não sentíamos isso. Nem o Fernando. Eu gostava muito do Fernando Cigano, aliás, todos gostavam. Era inteligente e bom colega. Terminada a quarta classe, deixámos de o ver. Às vezes ele ainda aparecia na aldeia, mas agora estávamos mais crescidos, tínhamos que estudar mais e não havia tantas brincadeiras na rua. Fiquei a saber nessa altura que o Fernando tinha deixado de estudar. Uma pena! Era bom aluno e teria tido outras oportunidades se tivesse continuado os estudos. O facto de não estudar afastou-o da "rapaziada". Passaram mais de vinte anos. E o Fernando? Que é feito dele? Formou família, mas "anda na droga". É traficante. Está preso. Mas, serão todos os ciganos Fernandos? E de quem é a culpa? A culpa é minha, é nossa, é dos ciganos e é do Fernando. Curiosamente no Natal de 2007, um grupo de ciganos estava temporariamente numa casa da aldeia. Gostei de ver que este grupo estava perfeitamente integrado. A alegria transbordava e a música era uma presença constante. Sem drogas, sem roubos e sem problemas. Tal levou-me a pensar que ainda há esperança, mas as notícias actuais não são nada animadoras.

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1 comentário:

  1. Os rótulos são uma coisa terrível. Por mais que tentemos somos sempre 'levados' pelo embrulho... pelo menos à primeira impressão.

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