quinta-feira, 15 de abril de 2010

Quinta Lugares Cruzados IV (Torre Eiffel)


Desde pequena que Maria sonhava com Paris. Foi na escola, no livro da terceira classe que viu pela primeira vez uma fotografia da cidade. Naquele tempo a televisão só estava acessível a alguns e a sua família era pobre e pouco instruída, pelo que apesar dos seus oito anos de idade, não tinha a mínima ideia de como seria Paris. Sabia intuitivamente que gostava da cidade, mas não sabia porquê...

Ao ver a fotografia no livro ficou confusa, porque em destaque estava um "edifício" diferente de todos os que já tinha alguma vez visto. Maria sabia que nas cidades grandes havia edifícios enormes com muitas janelas e onde vivia muita gente, já tinha ido inclusivamente uma vez a Lisboa, mas era muito pequena e não se lembrava muito bem. Chamou a D. Chica, sua professora e perguntou-lhe que edifício estranho era aquele. Queria saber também se todos os edifício de Paris eram assim, estranhos mas belos.

- Maria! Que ideia a tua! Essa é uma fotografia da Torre Eiffel um dos monumentos mais famosos do mundo e cartão de visita da cidade de Paris. - explicou a professora.

Maria envergonhou-se. Aparentemente todas as outras meninas da turma já tinham visto fotografias de Paris e sabiam o que era a Torre Eiffel.

- Deixa lá Maria, não tem mal nenhum não saberes que a Torre Eiffel é um monumento de Paris. Amanhã trago um pequeno texto sobre a torre para tu leres em voz alta aqui na aula. - tranquilizou a professora.

Maria no entanto, ficou aflita. No dia seguinte tinha que ler um texto em frente a todas as colegas e ainda por cima sobre um monumento com um nome difícil de dizer - Eiffel.

No dia seguinte leu o texto com muita atenção e ficou a saber que a Torre tinha sido inaugurada em 1889, que tinha 324 metros de altura e que era dos edifícios mais altos do mundo. Saiu-se muito bem na leitura e ficou encantada com um livro que a professora levou para a aula e que tinha mais umas lindas fotografias da torre.

"Um dia vou a Paris só para ver a Torre Eiffel e para subir até lá acima!" - prometeu Maria a si própria, a caminho de casa.

Maria cresceu. Completou a quarta classe, mas não pôde continuar os estudos. Com dez anos começou a trabalhar ajudando a mãe que era costureira. Tinha jeito para a costura, mas sonhava sair dali e conhecer mundo. Sonhava com Paris e com a Torre.

Casou com vinte anos com um rapaz lá da terra. Não lhe sentia amor, mas, como era costume na altura, cedeu à vontade dos pais e não levantou problemas em relação ao casamento. Embora não amasse o João, ele tinha um sonho parecido com o dela. Queria sair da aldeia e trabalhar numa cidade grande.

Naquele tempo, era difícil sair do país, mas o pai do João tinha um amigo que vivia em Espanha já há algum tempo e que os ia ajudar a passar a raia. Despediram-se da família e lá partiram, noite escura. Passaram a fronteira com facilidade, apesar do perigo e do medo.

De Espanha a França foi um pulo e passaram a viver num subúrbio de Marselha. Maria era empregada doméstica de um casal abastado e João era ajudante de mecânico. Não viviam mal, mas Maria não era feliz. João começou a ter problemas com o álcool, regressando a casa bêbado quase todos os dias. A violência doméstica instalou-se e Maria não aguentou. Resolveu fugir. Tal atitude pareceu-lhe na altura um sinal de fraqueza, mas mais tarde veio a concluir que foi das decisões mais acertadas que tomou na sua vida. Tinha um pequeno mealheiro e decidiu usá-lo para para chegar a Paris, aquela cidade que durante toda a sua vida a tinha fascinado e que finalmente lhe parecia tão próxima.

Chegou à Gare de Lyon numa noite escura e chuvosa. Sentia-se perdida, nunca tinha estado numa cidade tão grande e embora falasse muito bem francês, tudo ali lhe parecia confuso. Ficou naquela noite numa pensão bem próxima da estação. Valeu-lhe a ajuda da Madame Etoile a quem contou toda a sua aventura na manhã seguinte. A Madame Etoile era a dona da pensão que ao constatar que Maria falava tão bem francês, resolveu oferecer-lhe imediatamente um emprego como recepcionista.

Foi no dia seguinte que perguntou a Madame Etoile como poderia chegar à Torre Eiffel. A Madame riu-se, e disponibilizou-se imediatamente para ir com a ingénua e inexperiente Maria visitar a torre.

Foram metro, durante a tarde. Ao subir as escadas da estação da Ecole Militaire, Maria pode apreciar finalmente a imensidão da Torre vista a partir do fundo do Champ de Mars. Naquele momento de emoção, Maria, que contava já com trinta anos de idade, voltou aos seus tempos de menina e relembrou a sua professora que lhe tinha dado a conhecer o monumento símbolo de Paris naquela aula da terceira classe.

A Torre era muito maior do que alguma vez tinha imaginado e ao vê-la Maria quase derrubava a Madame Etoile de tanto lhe puxar o braço para chegar rapidamente à entrada. A calma só chegou quando o elevador parou no terceiro andar e pôde apreciar a grandiosidade da cidade de Paris. Chorou e emoção e ali mesmo fez mais uma promessa a si própria: aquela iria ser a sua cidade e viveria ali para sempre.

E assim aconteceu. Maria cumpriu a sua promessa e nunca mais deixou Paris. Teve vários empregos. Estudou, melhorou de vida e casou novamente com um senhor abastado que ficara viúvo recentemente e que vivia num apartamento da Avenue Charles Floquet com uma excelente vista para a Torre Eiffel.

Maria viveu intensamente e foi muito feliz em Paris. Enviuvou anos mais tarde, herdando do marido o apartamento de que tanto gostava.

Morreu já muito velhinha numa tarde de Outono. Diz quem com ela estava nessa tarde, que a morte veio de mansinho enquanto o olhar de Maria se perdia para lá da janela do seu quarto e se fixava no monumento que nunca tinha deixado de a fascinar...

E você Reflexos? Como vê a Torre Eiffel?

4 comentários:

  1. Merci :)

    Desta vez deu-me para inventar uma história.

    Beijinhos

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  2. Caro Aberto, ao ler esta sua história, eu vejo-me na personagem de Maria, mas com imensas ambições viver longe da Madeira, vivendo no Continente mas conhecendo os países que mais me fascinam França, Itália, Espanha, Holanda, Luxemburgo, Bélgica, Suíça, entre outros...

    Obrigado por apresentar esta história lindíssima.

    Parabéns.

    Um abraço
    Ricardo

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  3. Tenho uma foto com essa árvore ...e esse fundo :)

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