No passado dia 16 de Setembro, assisti à récita única da ópera Così fan tute de Mozart no Centro de Artes e do Espectáculo de Portalegre. Foi uma agradável surpresa verificar que o espectáculo coincidia com as minhas férias, permitindo-me assim, assistir pela segunda vez a uma récita de ópera em terras alentejanas (a primeira vez foi o Trovador de Estremoz onde tive oportunidade de ouvir a grande Fiorenza Cossotto nos ensaios).
Antes de falar da récita de Portalegre, devo salientar que a sala de espectáculos do Centro de Artes e do Espectáculo foi para mim uma surpresa agradável. A sala tem uma plateia de dimensão razoável e dois balcões. O revestimento é de madeira escura e é possível adaptar um fosso de orquestra que, embora um pouco fundo (não me foi possível ver a maestrina do locar onde me encontrava), a torna ideal para um espectáculo deste tipo.
Quanto ao Così fan tutte, o elenco foi o seguinte:
Fiordiligi - Carmen Matos (soprano)
Dorabella - Margarida Marreiros (soprano)
Despina - Joana Gil (soprano)
Ferrando - Marco Alves dos Santos (tenor)
Guglielmo - João Merino (barítono)
Don Alfonso - Alexis Heath (baixo)
Direcção Musical - Vera Batista
Ensable Contemporaneus
Encenação - Helena Estanislau
A acção, que segundo o libretto de Lorenzo da Ponte decorre em Nápoles no final do sec. XVIII, foi transposta por Helena Estanislau para o tempo actual, num cenário único e minimalista que se manteve durante toda a récita. Estamos evidentemente a falar de uma produção de baixo orçamento, que não permite grandes efeitos cénicos, no entanto, o libretto não foi nada desvirtuado por isso. Uma mesa, duas cadeiras, um banco comprido a meio do palco e umas palmeiras em vaso, criaram um bom ambiente. As legendas foram projectadas no interior do palco na parte de cima de uma uma tela azul.
O Ensamble Contemporaneus (orquestra de pequena dimensão) esteve bem durante toda a récita, a direcção de Vera Batista teve o dinamismo que esta ópera requer e a coordenação com os cantores foi sempre bastante boa.
Antes de comentar as vozes, gostaria de referir que todos os cantores são muito jovens e com carreiras relativamente curtas, logo todos os comentários são feitos tendo em consideração que há ainda um processo evolutivo a fazer do ponto de vista vocal e cénico.
Carmen Matos (Fiordiligi) - O jovem soprano tem uma voz ligeira de timbre agradável e com maleabilidade. Denoto-lhe, no entanto, um vibrato excessivo no registo agudo. Nada que tenha comprometido a sua prestação no papel de Fiordiligi que é, sem sombra de dúvida, o mais difícil de Così fan tutte. Esteve bem na ária do primeiro acto, apenas lhe notei alguma dificuldade no registo mais grave (Mozart escreveu notas muito graves nesta ária). A ária é muito bela, mas a encenação não ajudou a cantora uma vez que todos os outros cantores se encontravam em cena a executar movimentos cómicos que distraíram o público. Na segunda ária, Carmen Matos esteve melhor. Desta vez, sozinha e palco, a cantora interpretou a dificílima ária Per pietá com convicção, sem qualquer esforço e sem grandes dificuldades no registo grave. Este foi, sem dúvida um dos pontos altos da noite.
Magarida Marreiros (Dorabella) - Outro jovem soprano, de voz mais lírica (lírico-ligeiro), interpretou Dorabella que Mozart escreveu para mezzo-soprano. Embora tenha gostado da interpretação, achei o timbre da Margarida Marreiro um pouco duro e o terminar das frases, nalgumas situações, algo descuidado. O papel de Dorabella não tem grandes árias como o de Fiordiligi, onde a cantora pudesse mostrar todo o seu potencial, de qualquer forma, achei-a particularmente bem em dueto e nos ensambles, com a sua voz sempre audível e afinada.
Joana Gil (Despina) - O papel de Despenia foi interpretado pelo soprano Joana Gil. A sua voz é muito bem timbrada e uniforme. As notas agudas são vibrantes e limpas e o registo grave é bastante bem suportado. Do ponto do vista cénico a cantora esteve excelente e as alterações vocais que introduziu ao interpretar o médico e o notário foram extraordinárias. Confesso que gostaria de ter oportunidade de ouvir a Joana num papel maior.
Marco Alves dos Santos (Ferrando) - Outro cantor de belo timbre e com qualidades vocais muito boas para a interpretação dos papeis para tenor de Mozart. A voz é leve e clara, e varia muito bem entre o piano e forte. Os agudos são fáceis e brilhantes e potentes. O cantor esteve muito bem a solo e em dueto, no entanto, gostaria de tê-lo ouvido melhor nos ensambles.
João Merino (Guglielmo) - O papel de Guglielmo for interpretado magnificamente pelo barítono João Merino. O cantor tem um excelente timbre, mantendo a cor e a qualidade da voz em todos os registos. Esteve particularmente bem na ária do segundo acto, que interpretou na plateia junto com o público, para além disso, a sua voz foi sempre audível nos ensambles. Para além das excelentes qualidades vocais, João Merino esteve também muito bem do ponto de vista cénico.
Alexis Heath (Don Alfonso) - Don Alfonso foi interpretado pelo venezuelano Alexis Heath. Gostei-lhe do timbre, mas achei a voz pouco potente e com alguma dificuldade no registo agudo. Não consegui perceber se o cantor é mesmo um barítono (como vem identificado no folheto explicativo) ou um baixo-barítono. Vi no seu currículum que já interpretou também o papel de Guglielmo nesta ópera, cuja tessitura é mais aguda que a do papel de Don Alfonso.
(Marco Alves dos Santos, Margarida Marreiros, Carmen Matos, Vera Batista, João Merino, Joana Gil, Alexis Heath)
Globalmente considero que este Così fa tutte teve uma qualidade muito boa e foi, sem dúvida, um prazer assistir a esta récita no "meu " Alentejo.
Como os meus leitores sabem, gosto de acompanhar o trabalho dos jovens cantores portugueses que tantas dificuldades têm em fazer carreira no nosso país. Pelo que pude ver nesta récita, há mais uma série de cantores a que vale a pena estar atento. Voltarei a falar deles aqui sempre que se justificar.
Uma última palavra para o público de Portalegre, que se portou muito bem e parece ter apreciado o espectáculo (ainda houve umas tosses, mas nada que tivesse incomodado). Gostei particularmente do facto de estarem presentes crianças cujo comportamento foi irrepreensível.
Espero voltar à ópera em Portalegre.
Caro Alberto,
ResponderEliminarGostei imenso de ler esta sua crónica, o que é habitual, mas é sempre um gosto.
Também partilho da sua opinião de que há vários cantores portugueses jovens que, se lhes forem dadas oportunidades poderão vir a ser nomes grandes da cena lírica. Cá estaremos para os acompanhar.
Cumprimentos da terra do tio Sam (mas infelizmente sem ópera eesta vez).
Caro FanaticoUm
ResponderEliminarPenso que também iria gostar desta récita com jovens cantores.
Cumprimentos para a terra do tio Sam (quase apanha a estreia da Bolena se estiver em NYC).
Que rico presente de aniversário... assistir a um espectaculo de seu gosto no seu Alentejo.
ResponderEliminar(Fui eu quem encomendou, mas não é para dizer a ninguém eheheheheh)
Obrigado pela encomenda, melhor amiga. Foi realmente um belo presente. :)
ResponderEliminarDesta vez não é NYC mas Chicago (onde a temporada só começa em Outubro).
ResponderEliminarCumprimentos