Há uns dias coloquei aqui no Outras Escritas uma série de vídeos com interpretações da ária de entrada de Isabel I na ópera de Donizetti, Roberto Devereux.
Como referi na altura, interpretar Isabel I nesta ópera é extremamente difícil e há muito sopranos que, mesmo sendo especialistas em Belcanto, se recusaram a fazê-lo (Callas, Sutherland, Devia, etc.).
O FanaticoUm, depois de apreciar todas a interpretações, elegeu Edita Gruberova como a melhor interprete, dando-lhe, em tom de brincadeira, o primeiro, segundo e terceiro lugares.
Como tal, deixo-vos não com uma, nem com duas, nem com três, nem sequer com quatro, mas sim com cinco interpretações de Edita Gruberova na referida ária (atenção: qualidade das gravações é muito variável e umas são mais completas que outras).
Tive oportunidade de assistir a uma récita em Munique (ver vídeo de 2005). Achei a cantora extraordinária.
Em breve, mais vídeos de Gruberova nesta ópera, mas na ária final, que é monstruosa em termos de carga dramática.
1990
1997
2000
2005
2007
A pedido do FanaticoUm, aqui fica a minha apreciação das várias interpretações de Gruberova.
Em primeiro lugar devo mais uma vez fazer notar que a qualidade das gravações é muito díspar quer a nível de áudio, quer a nível de vídeo. Isto faz com que, pelo menos no que respeita à apreciação da interpretação a nível vocal, sejamos sempre tentados a considerar como melhores, as interpretações com melhor qualidade de captação áudio (no caso, as de 2005 e 2007). Tentando abstrair-me deste facto, penso que os cinco vídeos mostram bem a evolução da cantora ao longo de quase vinte anos a nível de interpretação vocal e cénica da personagem de Isabel I na ópera Roberto Devereux.
O primeiro vídeo corresponde a uma gravação de 1990 em Barcelona, ano em que a cantora se estreou neste papel (em Viena). A qualidade sonora é bastante fraca, mas de qualquer forma a voz parece-me em excelente forma no registo agudo, mas com algumas deficiências a nível de volume e concistência nos graves. Não nos podemos esquecer que Gruberova foi durante a primeira parte da sua carreira um soprano de coloratura e que Isabel I não é propriamente um papel fácil para esse tipo de voz, uma vez que exige algum volume no registo grave (será ideal para sopranos dramáticos de coloratura, vozes muito raras de que Joan Sutherland é o melhor exemplo). A nível cénico a cantora já me parece muito bem em 1990.
Em 1997, a gravação mostra-nos uma Gruberova mais decidida a nível interpretativo. Gosto particularmente da encenação simples e sóbria. Este é o vídeo com piores condições de captação sonora, mas atrevo-me a dizer que a cantora não estaria nas suas melhores condições vocais.
O vídeo 2000 mostra-nos uma Gruberova mais próxima da dos nossos dias. O registo grave melhorou significativamente e os pianíssimos ("pianissíssimos") começam a evidenciar-se. Quer isto dizer que do ponto de vista vocal a cantora começa a aproximar-se do que eu considero ser a interpretação ideal de Isabel I. É no entanto nesta altura que Gruberova começa a usar um portamento, que muitos consideram excessivo, quando ataca as notas mais agudas. Há muitos apreciadores de ópera que consideram que Gruberova tem muitos maneirismos vocais, sendo o portamento para as notas agudas um desses maneirismos. Devo referir que, embora considere que o portamento possa ser um "truque" da cantora do ponto de vista técnico, não considero que o mesmo comprometa demasiado a interpretação. Aliás, como Gruberova tem uma técnica fora do comum, tem vindo ao longo dos últimos anos a diminuir estes portamentos, mantendo a qualidade no registo agudo. Uma nota negativa: não gosto da abordagem que a cantora faz nas notas em staccato quase no final da ária (ver 8:25). Este é o vídeo mais completo, onde é apresentada a ária na totalidade, de qualquer forma a minha apreciação é só relativa à parte final (Cabaletta).
2005 foi o ano em que assisti em Munique à interpretação de Gruberova que consta no quarto vídeo. Esta foi para mim uma das mais extraordinárias experiências operáticas que vivi. A encenação, transposta para a actualidade (algures no século XX) não será muito bem vista pela maioria das pessoas, mas a mim agrada-me. Grubrova comanda, como uma verdadeira rainha, e não precisa de coroa alguma para o fazer. Vocalmente está muito bem, mas pareceu-me ainda melhor na récita a que assisti. Volto a não gostar das notas em staccato (ver 4:26), se bem que neste caso me parecem ter um pouco mais a ver com a encenação, se é que isto tem alguma lógica.
Finalmente, o vídeo de 2007, mostra-nos Gruberova já no final de um concerto que realizou em Amsterdão (os interessados podem procurar este concerto no youtube, pois todas as árias estão disponíveis). Na minha opinião esta é a melhor interpretação do ponto de vista vocal. Notem que os portamentos para as notas agudas foram substancialmente reduzidos e os que se mantêm justificam-se perfeitamente do ponto de vista interpretativo. Os pianíssimos são imaculados. Embora sem encenação alguma, Gruberova transporta-nos para a a personagem de Isabel I de uma forma extraordinária.
Se tivesse que eleger uma das cinco interpretações, escolheria a de 2007 como a melhor do ponto de vista vocal e a de 2005 como a melhor conjugação entre voz e encenação. Que me perdoem os que não gostam das "modernices cénicas" europeias.
Um luxo poder disfrutar destes seus "posts"! Gruberova, sem dúvida, uma das Grandes Cantoras de sempre e, no belcanto, é o que se vê. Primadona Assolutissima, sem dúvida.
ResponderEliminarTodas as gravações (apesar das diferenças na qualidade dos registos) são notáveis, mas acho a interpretação na versão concerto de 2007 absolutamente do outro mundo! De arrepiar!!
Obrigado por este presente de luxo no final do ano.
E pensar de dentro de menos de um mês a verei ao vivo, que mais poderei dizer...
Caro Alberto,
ResponderEliminarJá que nos proporcionou mais este fantástico "post", será que poderemos conhecer a sua opinião de especialista sobre as diversas Gruberovas aqui colocadas?
Caro FanaticoUm.
ResponderEliminarJá ando há um tempo para fazer isso, mas tenho tido uns dias muito "cheios" e não tenho tido muito tempo para escrever.
De qualquer maneira, acho curioso que tenha escolhido a versão de concerto como a mais "arrepiante"...
Penso que amanhã terei tempo de fazer a minha apreciação.
Depois segue-se um "post" com várias interpretações de Gruberova da ária final de Roberto Devereux.
Cumprimentos musicais.
Caro FanaticoUm
ResponderEliminarJá está! Aguardo comentários...
Caro Alberto,
ResponderEliminarEstou com dificuldades no meu computador e não sei se recebe uma mensagem parecida por duas vezes. Se assim for, peço-lhe que rejeite esta.
Peço desculpa pelo atraso no meu comentário mas só há pouco me apercebi que já tinha colocado a sua opinião.
Vários pontos:
1- Muito obrigado por uma descrição tão pormenorizada e rica. Para leigos como eu é sempre um enorme prazer ler estes seus textos. Aprendo sempre imenso e assim fico mais rico.
2- Confesso que me conto entre os que não gostam das “modernices cénicas”. Ou são absolutamente deslumbrantes (o que é raro) ou prefiro as convencionais, mais próximas das que terão sido imaginadas pelos autores quando escreveram as peças.
3- Fiquei muito satisfeito por saber que também prefere a interpretação de 2007. Voltei a ver 3 delas e realmente os agudos e os pianíssimos desta são verdadeiramente imaculados. Logo que termina a interpretação, a própria Gruberova tem uma expressão que parece transmitir satisfação com o que acabou e alcançar!
4- Recebi hoje uma boa notícia – consegui bilhetes para a Lucrezia Borgia com a Gruberova no início de Abril em Munique. Temia não os conseguir, dada a elevada procura (apesar de já os ter pedido em Agosto), mas já estão em meu poder. Verei igualmente o Dialogo das Carmelitas (uma estreia para mim e um desafio à minha capacidade de lidar com o “adverso”, mas já há tempos que esperava por esta oportunidade e provação) e I Capuleti e i Montecchi (Bellini!!!). As cantoras não são a minha escolha, mas o lirismo da obra é tal que… venham elas.
Penso que conhece a gravação de há cerca de 2 – 3 anos com a Netrebko e a Garanca. Recomendo vivamente, toda interpretação é fabulosa, sobretudo quando qualquer delas canta mas sugiro, entre outras, a ária do 1º Acto “Oh Quante volte” (faixa 13 do CD1). Mostra do que a Netrebko é capaz e, depois de a ouvir, diga lá se tem coragem de dizer que não gosta da Netrebko!
Mais uma vez muito obrigado por mais esta lição.
Caro FanaticoUm
ResponderEliminarDesculpe só agora responder, mas não tenho tido muito tempo disponível.
Quanto às encenações modernas, muito usadas na Europa (e muito pouco apreciadas pelos Americanos), dou-lhe razão quando diz que é mais difícil serem tão "eficientes" como as encenações de época. No entanto, tenho visto algumas que me convencem. A do Roberto Devereux de 2005 em Munique está muito boa. E mesmo a da Lucrezia Borgia com a Gruberova que passou recentemente no canal Mezzo, também não a acho má, embora o estrado que utilizaram fizesse com que os passos dos cantores se ouvissem em demasia (lembra-se?).
Verifiquei que concordamos no que respeita à melhor interpretação de Gruberova nos cinco vídeos que publiquei. Também achei extraordinária a expressão da cantora no final da sua interpretação. Curiosamente estamos perante um concerto, onde as emoções são, supostamente, mais contidas.
Parabéns por ter conseguido os bilhetes para a Lucrezia de Munique. Penso que será com a mesma encenação da récita que passou no Mezzo e que está possível em DVD.
Obrigado pela sugestão do CD da ópera I Capuleti e I Montecchi. Na realidade nunca me senti tentado a comprar o CD. Tenho, no entanto, duas gravações de estudio desta ópera. Uma com a Gruberora e a Baltsa que estão extraordinárias (pena a direcção do Mutti que entre outras coisas, obriga Gruberova a abster-se de todas a notas sobre-agudas) e outra com Beverly Sills e Janet Baker que também estão muito bem. Aliás, a Sills é (era) uma cantora que eu muito aprecio e de que tenho falado pouco aqui no Outras Escritas.
Prometo-lhe que ouvirei alguns excertos da versão Netrebko/Garanca no Youtube que depois tentarei comentar. No entanto, lembro-me de ter ouvido numa rádio (não sei qual) uma transmissão da ópera com as duas cantoras, mas para fazer uma apreciação terei que ouvir novamente.
Cumprimentos musicais