domingo, 2 de setembro de 2012

Ciro in Babilonia (Rossini Opera Festival 2012)



A ópera Ciro in Babilonia marcou a minha estreia no Rossini Opera Festival. Assiti à quarta récita desta ópera, no dia 19 de Agosto.

O elenco foi o seguinte:

Baldassare - Michael Spyres
Ciro - Ewa Podles
Amira - Jessica Pratt
Argene - Carmen Romeu
Zambri - Mirco Palazzi
Arbace - Robert McPherson
Daniello - Raffaele Costantini

Encenação - Will Crutchfiled

Orquestra e coro do Teatro Comunale di Bolonha dirigidos pelo Maestro Davide Livermore.

O libretto de Francesco Aventi relata a história de Baldassare, rei da Babilónia, que se encontra cercado na sua cidade pelas tropas de Ciro, rei da Pérsia (sinopse). Baldassare rapta e apaixona-se pela mulher de Ciro e este faz tudo para salvá-la.

A encenação de Will Crutchfield, transporta-nos para uma sala de cinema mudo dos anos 30 do século XX. Para os mais cépticos, esta transposição poderá parecer à partida estranha, uma vez que a ópera retrata cenas bíblicas, nos entanto, devo dizer que foi bastante eficaz e agradável.
Durante a abertura o público, constituído por elementos do coro, entra na sala de cinema e toma o seu lugar. A ópera é assim apresentada como se fosse um filme a preto e branco, com os cantores como personagens principais e os cenários projectados em telas no fundo de palco. Por vezes é usada uma tela transparente na frente de palco onde são projectados uns efeitos que fazem parecer que se está mesmo a ver um filme de cinema mudo.
Curiosamente, os figurinos das personagens masculinas respeitam, aparentemente, os trajes de época, mas os das personagens femininas são muitos inspirados nos anos 20/30 do século passado.


Quanto às vozes:

Carmen Romeu, Mirco Palazzi e Raffaele Costantini estiveram bem nos seus papeis secundários e não desvirtuaram o trabalho dos cantores principais, tendo constituído um bom elenco de suporte.

Robert McPherson, tenor, interpretou Arbace, personagem secundária, mas com uma ária tipicamente rossiniana no primeiro acto. A voz é ligeira, mas ouve-se bem (o Teatro Rossini não é muito grande, penso que será um pouco mais pequeno que o S. Carlos), o timbre não é dos mais agradáveis, mas tem um bom legatto e domina bem as passagens de coloratura. No registo agudo, denota-se um certo stresse e, para compensar uma certa diminuição de volume, o cantor parece entrar em esforço, o que se traduz em alguma estridência.

Michael Spyres, tenor interpretou Baldassare, rei da Babilónia. O cantor de timbre muito agradável esteve em excelente forma, e "portou-se" como um verdadeiro tenor rossiniano, com uma excelente agilidade e um registo agudo cheiro e nada stressado (penso que terá atingido por várias vezes o ré sobreagudo). No segundo acto interpreta o que parece ser uma "ária de loucura", de forma extraordinária, mesmo que passe grande parte do tempo em cima de uma passadeira rolante. Uma característica interessante da voz do cantor é que tem um registo grave bastante bem suportado. Isto é importante porque Rossini usou e abusou do registo grave (e do agudo também).

Jessica Pratt, soprano, interpretou Amira, mulher de Ciro. A cantora tem uma voz cheia e potente (quase lírica), de timbre agradável e com um bom legatto. Denotei no entanto um uso excessivo do pianíssimo nas passagens mais agudas, principalmente no primeiro acto. Isto pode ser apenas uma questão de gosto e não uma dificuldade técnica, uma vez que nas cabalettas os agudos eram alcançados em forte sem dificuldade. A coloratura não foi também perfeita no primeiro acto, tendo melhorado no segundo. No geral achei o desempenho de Pratt muito bom, as críticas que faço são apenas de pormenor. 

Ewa Podles, contralto,  interpretou Ciro, personagem central da ópera. Já falei várias vezes aqui no blogue da voz de Podles uma vez que é das minhas cantoras favoritas. Já tinha ouvido a cantora em Barcelona a interpretar Orsini na ópera Lucrezia Borgia de Donizetti e desta vez fiquei ainda mais satisfeito com a sua prestação. Tudo em Podles é perfeito. A voz é escura (escuríssima), maleável, e potente e cheia em todos os registos (a cantora tem 3 oitavas de voz).
Na récita, a cantora foi uma verdadeira rainha vocal, embora tenha interpretado o papel de "rei"! Ciro tem duas grandes (longas) árias, uma no primeiro acto e outra no segundo, quase no fim da ópera. Podles interpretou de forma perfeita estas árias (vocal e cenicamente), fazendo delas o ponto alto da récita. No segundo acto os aplausos foram tantos e tão prolongados que a cantora teve que "sair da personagem" para agradecer.
Para além da voz, Podles é também uma boa actriz, o que abona ainda mais a seu favor.


Depois da récita tive oportunidade de cumprimentar Michael Spyres, Jessica Pratt e, claro, Ewa Podles. Apesar de cansados, todos foram bastante simpáticos e distribuíram autógrafos. Com Podles tirei também a fotografia que está destacada na barra lateral do blogue, porque afinal como alguém dizia, "a Podles é um fenómeno da Natureza!".




6 comentários:

  1. Obrigado pela sua descrição, Alberto. Fico cheio de pena de não poder ter estado lá!

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  2. Realmente, caro Fanatico_Um foi um espectáculo memorável!

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  3. Certamente assisti a essa foto porque também estava na porta dos artistas dia 19... Ewa Podles é insuperável e confirmo que as ovações foram extraordinárias, ainda que fraca compensação para quem só aos 60 anos foi convidada para um papel principal em Pesaro depois uma carreira rossiniana (e não só).
    Quem sabe nos encontraremos em Saint-Etienne em Outubro, onde ela será de novo a Madame de l'Haltiere na Cendrillon de produção francesa?!
    Jorge António

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  4. Que coincidência caro Jorge António. Eu não reparei na altura que houvesse mais portugueses para além de mim na porta dos artistas.
    Eu confesso que aplaudi a Podles efusivamente na primeira e na segunda árias.

    Quando a Saint-Etienne, infelizmente não poderei estar presente, mas a avaliar pelas críticas que já li, a Podles faz uma Madame extraordinária.

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  5. Já agora, a que outras óperas e concertos assistiu em Pesaro?

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  6. Olá Alberto
    Pois o mais provável, se me viu, era eu estar a falar inglês porque também não pensei haver mais protugueses...

    Assisti apenas ao Ciro. Ainda pensei no recital da Pratt mas confesso que não me entusiasma muito e a récita do Ciro foi mais que suficiente. Resolvi aproveitar para conhecer os arredores: Urbino, Rimini e San Marino. Para além de Pesaro, claro. Em apenas 4 dias e tanto calor acho que o programa foi intenso.

    Quanto à Cendrillon de Saint Etienne, trata-se da produção de Paris (Opera Comique, 2011) que é bonita mas aquem da genial produção do Pelly para o Covent Garden. Em ambos Ewa Podles foi extraordinária, embora em Londres a sua personagem ganhe protagonismo graças à encenação.

    Infelizmente temos de "investir" para poder ouvi-la ao vivo. Não me parece que haja muita vontade dos promotores de a trazer de novo a Portugal...

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